Exercício Físico e Sistema Hematológico (Sanguínio)

A atividade física pode alterar vários parâmetros do sistema hematológico (ou sanguíneo, como é mais conhecido) e justamente por isso, pode influenciar no rendimento esportivo.
Para um bom desempenho aeróbio, é necessária uma disponibilidade adequada de oxigênio, sendo as células vermelhas do sangue (as hemácias), elemento chave nesse processo. Várias condições podem alterar essa boa entrega de oxigênio para os tecidos, sobretudo a anemia por deficiência de ferro. Outro ponto relevante é a anemia dilucional, condição benigna relacionada ao exercício físico. Não podemos também deixar de destacar algumas condições como a hemólise intravascular no atleta, o traço falciforme e doenças da coagulação sanguínea.
Quais são as alterações que podem ocorrem com nosso sangue quando realizamos Exercício Físico?
Sabe-se que, após o exercício intenso, as células brancas relacionadas com a defesa do organismo; células vermelhas, relacionadas ao transporte de oxigênio; e as plaquetas, importantes na coagulação sanguínea, sofrem alterações. Se o exercício for intenso os leucócitos (células brancas) aumentam consideravelmente, permanecendo com valor elevado até 24 horas após o exercício, o que não deve ser confundido com outras condições inflamatórias e infecciosas do organismo, que também cursam com aumento das células de defesa. As plaquetas também aumentam consideravelmente, mas a sua ativação permanece indeterminada.
Alterações nas células vermelhas, verificadas na quantidade de hemácias e hemoglobina (proteína presente na hemácia, que irá carregar o oxigênio para os tecidos do corpo) são bem mais sutis do que leucócitos e plaquetas.
Em relação à homeostase, ou seja, o equilíbrio do sangue, alguns estudos mostram que extremos de esforço físico podem ter um efeito pró-coagulante após o término da atividade física, ou seja, estimulando a trombose. Assim, deve ser algo a ser considerado em pacientes que possuem algum distúrbio de coagulação com tendência a trombose.
O Exercício Físico pode causar anemia dilucional (também conhecida como: anemia do nadador, anemia do corredor, anemia pós-exercício, anemia do atleta)?
Ela geralmente está relacionada à pseudo-anemia, ou seja, o exercício físico causando aumento do plasma sanguíneo, diluindo o sangue e causando uma anemia (mas que não é verdadeira, pois os estoques de ferro estão preservados). Durante o exercício, entretanto, há diminuição do plasma, pelo aumento da pressão sanguínea e acúmulo de metabólitos nas células, causando saída de líquido do espaço intravascular. Horas após o exercício, o volume do plasma normaliza e seguidamente aumenta, por mecanismos ainda não claramente explicados, mas diretamente proporcional à intensidade e duração da atividade física. A normalização da anemia acontece dentro de uma semana, após cessar a atividade. O aumento do plasma pode ser algo benéfico, por aumentar o volume sanguíneo e débito cardíaco, diminuindo o trabalho cardíaco durante o exercício após esse período de expansão do plasma. A pseudoanemia do atleta não deve estar correlacionada a outros achados clínicos, nem ser severa ou estar relacionada a alteração de outros parâmetros laboratoriais, indicativos de outra condição de base. Não há indicação de tratamento para esta condição benigna.
Deficiência de ferro e anemia são comuns em atletas?
A causa da deficiência de ferro em atletas é relacionada a perda de sangue ou deficiências nutricionais. As perdas são relacionadas ao trato gastrointestinal, hematúria (perda de sangue na urina), perda no suor (essa insignificante) e perdas menstruais. Corredores possuem maior perda de sangue pelo trato gastrointestinal, relacionado com a intensidade do exercício e também uso de anti-inflamatório. A hematúria do atleta é tipicamente microscópica (não se vê ao olho nu) e se resolve em poucos dias.
Na parte nutricional, pobre ingesta ou absorção de ferro tem sido descrito, geralmente relacionada a baixa ingesta calórica geral, podendo ser pior nos vegetarianos, por menor biodisponibilidade das fontes de ferro e vitamina B12 ingeridas, comparadas às fontes animais.
Atletas que possuem anemia por deficiência de ferro pode queixar-se de fadiga e intolerância ao exercício. Orientações nutricionais devem ser dadas, e quando necessário, o ferro pode ser reposto na forma de sulfato ferroso. A ingesta concomitante de ácido ascórbico (suco de limão, por exemplo) aumenta a absorção do ferro. Chá e café pode inibir a absorção, assim como antiácidos.
A correção da anemia definitivamente melhora o desempenho de atletas, mas a reposição de ferro em atletas com deficiência e sem anemia ainda é motivo de debate.
O atleta pode perder sangue pela urina?
Hemoglobinúria (perda de hemoglobina pela urina) condição, observada inicialmente em militares. A causa parece ser o impacto dos pés em superfície dura (corrida, por exemplo), lesando mecanicamente os glóbulos vermelhos (hemácias), mas outros estudos mostram que isso ocorre mesmo em outros esportes que não têm tanto impacto nos pés, como na natação ou esportes de extremo de temperatura, talvez pela contração muscular causando destruição das células ou extremos de temperatura.
Esta condição isolada geralmente não é suficiente para causar anemia. O tratamento envolve mudança na marcha, superfície e intensidade de treinamento, assim como mudança de calçado. O diagnóstico deve ser feito por exclusão de outras doenças.
Ocorrem alterações de coagulabilidade em atletas?
Por fim, distúrbios da coagulação devem ser observados em atletas. Apesar de geralmente não afetar o desempenho atlético, o conhecimento de sua presença pode minimizar o risco de complicações graves. Várias pessoas possuem alterações no sistema de coagulação e são assintomáticas. Existem várias doenças que aumentam o risco de trombose, sobretudo se associado a outros fatores como uso de anticoncepcional oral, tabagismo, traumas repetidos e viagens longas. O exercício intenso pode potencializar um estado pró-coagulante no período pós exercício, o que deve ser levado em consideração nestes indivíduos.
Outras doenças (Hemofilias) podem cursar com aumento de sangramentos. Há um risco aumentado de sangramento em atividades de contato, mas risco mínimo em atividades de pouco contato. Nas doenças de coagulação sanguínea, é muito importante o seguimento conjunto com hematologista, para melhor segurança do atleta.
Bibliografia:
- Mercer KW, Densmore JJ. Hematologic disorders in the athlete. Clinics in Sports Medicine. 2005;24:599-621
- Hu M., Lin W. Effects of exercise training on red blood cell production: implications for anemia. Acta Haematol. 2012; 127, 156–164